A adolescência é
o período de transição da infância para a idade adulta. As mudanças nessa fase
implicam na construção de novas identidades, renúncia da identidade infantil e
a possibilidade de construção de novas relações; é a porta de entrada para o
mundo dos adultos. Comemorada por alguns e temida por outros, a chegada da
adolescência decorre com mudanças biológicas significativas, bem como mudanças psicológicas e sociais. É um caminho
doloroso e desafiador para muitos jovens, que uma vez protegidos no seu estágio
infantil se vêem diante de uma realidade que não existe escolha, a princípio,
pois as mudanças ocorrem independentes de sua vontade e é necessário que o
jovem se defina como pessoa, pois, corpo, idéias, emoções e comportamento
sofrerão um processo de transformação que o fará sofrer uma metamorfose
completa. Becker (2003) cita o seguinte pensamento de Eduardo Kalina: “O primeiro grande salto para a vida é o
nascimento. O segundo é a adolescência”. É o início da construção de seu
casulo. Fecha-se para tornar-se outro ser, mais autônomo, consciente e dotado
de mais discernimento sobre si mesmo e a vida. Segundo Aberastury (1988), “a
perda da condição de criança constitui uma etapa decisiva na vida do homem,
iniciada no seu nascimento”. As novas relações com as quais os adolescentes se
vêem quase que obrigados a incorporar em suas vidas provocam-lhes muitas
confusões de valores e a sensação de perda de sua identidade infantil. Vivem o
luto do corpo, da identidade e das relações com os pais na infância. Logo, se
dá um conjunto de perdas e ganhos, constituídos agora de novas ideologias que
lhe permitirá sua adaptação ao mundo e/ou sua ação para modificá-lo. Dotado de
um novo corpo, sua identidade também muda e nesta fase de transição flutua entre
uma dependência e uma independência extremas, e só a maturidade lhe permitirá o
equilíbrio entre mover-se à novas experiências e conservar convicções
anteriores.
Esta afirmação, segundo Alberastury
(1988), de uma pré-adolescente na fase de transição pela transformação de seu
corpo, aparência e pelas mudanças nas relações com amigos e familiares. A
ansiedade de aceitar esse período como processo, passa a ser doloroso, pois
como disse a adolescente no documentário: “preferia acordar e sentir-me toda
modificada”. Além desses conflitos na formação de sua nova identidade, a
adolescente apresenta certa resistência e temor em se tornar adulta,
confirmando o que Ferrer (1988) escreve: “a menarca constitui o ponto
culminante de um prolongado processo biológico prévio que se insinua desde os
nove ou dez anos e cuja expressão biológica e psicológica mostra modificações e
conteúdos significativos que distinguem este período, tanto da latência, quanto
da adolescência inicial”.
Ficou claro que as transformações
provocadas no corpo, nesta fase, foram recebidas com receio, sensação de perda,
e ao mesmo tempo maior conscientização da responsabilidade com o corpo e o
amadurecimento, além da informação quanto à paternidade e maternidade
responsável.
Carol, adolescente, 17 anos, relatou
preocupação com o futuro, diz ter medo de crescer e concluiu: “Sou muito
protegida, tenho medo de perder essa proteção”.
Berger (2003) diz que: “A
adolescência se inicia quando as modificações físicas da puberdade transformam
um corpo infantil em um corpo adulto. Em seguida as mudanças cognitivas da
adolescência possibilitam que o jovem avance além do raciocínio concreto, para
pensar de maneira abstrata e hipotética. As mudanças compreendem modificações
psicossociais, estabelecendo uma relação com os pais com nova independência,
com os amigos com nova intimidade, com a sociedade com um novo compromisso e
consigo mesmo com uma nova compreensão. São as mudanças essenciais que conduzem
o jovem à idade adulta. No caso da adolescente em sala de aula, chamou a
atenção quando disse: “Peguei um ônibus sozinha, chorei, senti-me só e tive
medo”. Tornar-se adulto não é uma questão de tamanho ou de intelecto, requer
maturidade social”.
Os adolescentes citaram que quando juntos no
mesmo ambiente, o modificam e criam mecanismos próprios deles, e segundo
Aberastury & Knobel (1988), “Nem todo processo da adolescência depende do
próprio adolescente, como se ele fosse uma unidade isolada, num mundo
independente”. Não há dúvida de que a constelação familiar é a primeira
expressão da sociedade que influi e determina grande parte da conduta dos
adolescentes, mas o adolescente em busca de nova identidade busca em seus pares
uma identificação: “há um processo de superidentificação em massa, onde todos
se identificam com cada um”.
Ao abordarem as mudanças no corpo, os
adolescentes citaram a importância de um físico atlético e sarado, concentrando
maior preocupação na vaidade feminina, que cobradas socialmente por um corpo
que atenda os padrões sociais sofrem mais ainda para se afirmarem e serem
aceitas em seus grupos sociais, e de acordo com Berger (2003) “ O domínio da
aparência física é uma característica onipresente do adolescente, sempre se
exibindo para os outros e para a auto-observação. [....] Na aparência física,
muitos adolescentes passam horas se olhando no espelho, preocupados com seu
aspecto, como seu penteado afeta a forma do rosto, se o jeito da roupa os torna
atraentes ou seguros de si.
Ao serem convidados a conceituar o
que é ser adolescente, suas respostas concentraram-se na liberdade de fazer muitas coisas, curtir a vida sem preocupações,
farras, namoros, rebeldia com certa irresponsabilidade e um “pouco de estudo”.
Sentem temor que uma vez adultos,
terão que caminhar com suas próprias pernas e já não terão a mesma proteção de
seu pais ou de seus responsáveis. É como pressentir a perda de privilégios da
criança, e o temor pelas responsabilidades do adulto. Nesse contexto Becker
(2003) argumenta que: “Em meio a essa crise de identidade, o jovem vai partir
em busca de novas identificações, novos padrões de comportamento, sempre que
possível bem diferente dos que seus pais representam. [....] Nesse momento há
também uma enorme necessidade de pertencer a um grupo. O jovem encontra-se a
meio caminho entre infância e adolescência, enfrentando a toda hora afirmações
do tipo: “você é grande demais pra isso”, ou “você é pequeno demais para
aquilo”.Fica meio marginalizado junto do mundo adulto como do mundo infantil. O
grupo então, ajuda o indivíduo a encontrar a própria identidade dentro do
contexto social a que pertencem. No grupo existe uma certa uniformidade de
comportamento, de pensamento, de hábitos.
Nesse período em que a auto-imagem se
modifica radicalmente, os adolescentes procuram conforto em sua roda de
companheiros, padronizando suas idéias, suas atitudes. Um serve de modelo para
o outro. Sofrem de angústias semelhantes, e o grupo funciona como protetor
perante elas (uma espécie de substituto dos pais, segundo a psicanálise).
Curtem as mesmas experiências e descobertas, e as vivenciam juntos.
O filme “2h37” descreve com sutileza e realidade o mundo interno silencioso
vivido pelos adolescentes.
Becker (2003) cita Erik Erikson,
psicanalista, que considerava que a principal “tarefa” do adolescente seria a
aquisição da identidade do Ego. Aliás, é de suas teorias que surge a famosa
expressão “crise de identidade”. O jovem cumpriria essa tarefa por meio de
vários processos, sendo os mais importantes as identificações. Através do
repúdio de umas e da absorção de outras, gradualmente se cristalizaria a
identidade adulta.
Para obtê-la, o jovem precisaria de
um “tempo”, um período de experiências e adiamento de compromissos. No caso de
esse tempo ser mal aproveitado, surgiria a “confusão de identidade”, gerando
angústia, passividade, dificuldades de relacionamento.
Um outro risco seria a aquisição de
uma identidade negativa, baseada em identificações ruins, mas apresentada
durante a vida do jovem como as mais reais.
O apaixonar-se, tão freqüente na
adolescência, seria para Erikson de natureza menos sexual do que em idades
posteriores. Seria antes uma tentativa de projetar e testar o próprio ego por
meio de outra pessoa, identificando-se com ela e clareando sua própria
identidade.
Associada à noção de identidade
estaria a de ideologia, que expressa as idéias do grupo social. Ela funcionaria
positivamente, confirmando a identidade do indivíduo reconhecendo-o como parte
integrante da sociedade. Assim, a aquisição de uma ideologia permitiria ao
jovem resolver os seus principais conflitos, fugir da “confusão de valores”, e
lhe daria acesso à vida social.
Erikson afirmava que os sistemas
totalitários exercem atração sobre o jovem, pois fornecem identidades
convincentes e rígidas, e portanto, facilmente assimiláveis. A identidade
democrática seria menos atraente, pois envolve a liberdade de escolha, em vez
de fornecer uma identidade imediata.
A figura do jovem Marcus que molesta
sua irmã desde os 13 anos pode ter sofrido influência do comportamento de seus
pais na forma de lidar com ele e com sua irmã, pois o filme retrata o cuidado e
a importância que o filho representava, o que não se repetia com a filha, que
submetendo-se aos abusos do irmão, estaria reproduzindo uma “proteção” que seus
pais tinham para com o filho e dessa forma ser valorizada pelos pais. A
proteção que foi dada a marcos e a autonomia que lhe foi permitida pode ter
contribuído para uma consciência ingênua, insegura e desprovida de consciência
moral, ética e social.
Sua irmã Melody, pouco valorizada
pelos pais, não teve forças para contrariar os desejos de Marcus, provavelmente
por achar que se o fizesse estaria correndo o risco de além de não ser
escutada, de parecer culpada pelos abusos.
Aberastury (1981), ressalta que “É
nessa busca de identidade que aparecem patologias que podem confundir
habitualmente uma crise com um quadro psicopático (ou neurótico de diferente
tipo, ou ainda psicótico), especialmente quando surgem determinadas defesas
utilizadas para iludir a depressão assim como a má fé, a impostura, as
identificações projetivas em massa, a dupla personalidade e as crises de
despersonificação, as quais, quando se consegue elaborar os lutos assinalados
resultam passageiras.
“O psicopata, como muitos neuróticos
ou psicóticos, em troca, fracassa na elaboração do luto e não chega à
identidade adulta, manifestando muito destes sintomas sem modificação”.
A cena presenciada por Marcus, quando
seu pai possuía sexualmente sua mãe de forma incomum, rasgando suas roupas e
mantendo relações antes de chegar ao quarto, pode ter influído para manifestar
em seu comportamento o que fez com sua irmã. A identidade que Marcus usava era
a de seu pai e não dele.
A irmã de Marcus, melody, diz em
certo momento que ao sair da escola gostaria
de ir para um lugar o mais longe possível, revelando sua angústia pelo que
estava passando e ao mesmo tempo desejando estar longe dos ambientes que lhe
lembrariam os abusos que sofria.
O choro compulsivo, a tristeza,
revolta e provavelmente um quadro depressivo desenhado na personagem de Melody,
definiam uma adolescente que não teve tempo de experimentar o luto da
identidade infantil, que deixara para trás de uma forma traumática, que segundo
Aberastury (1981), “O adolescente entra numa crise de temporalidade” . A
criança tem um conceito fenomenológico da limitação do espaço e falta-lhe o
conceito de tempo, que é limitado para ela. O adulto tem a noção do infinito
espacial, e da temporalidade da existência. No adolescente isto se mistura e
confunde, apresentando então o pensamento do adolescente, as contradições de
imediatismo ou de relegação infinita
frente a qualquer tipo de possibilidades de realização, as quais podem se
seguir sentimentos de impotência absoluta. É um verdadeiro estado caótico, que
por alguns momentos, pareceria indicar a invasão e o predomínio de um tipo de
pensamento primário. Este vai sendo substituído pelo juízo da realidade,
mediante a elaboração dos três lutos enunciados, que permite localizar corpo,
papel e pais infantis no passado, aceitando o transcurso do tempo e, com este, o
conceito de morte como processo irreversível e natural dentro do
desenvolvimento.
Melody não teve essa chance, de
seguir um processo natural de construção de uma nova identidade. Os conflitos
naturais nessa fase foram mais amargos para melody, que desejava ir para um
lugar bem distante dali, fugindo de sua realidade, do mal que a rodeava.
O personagem de Luke, com tendência
homossexual refugia-se no esporte como forma de canalização de seus conflitos
sexuais, procurando construir outra identidade que não aquela que o atormentava.
Seu amigo Sean vive o mesmo conflito de Luke e o procura como apoio de suas
convicções homossexuais, mas é rejeitado por Luke, que não aceita essa condição
para si mesmo, ainda que se masturbe diante de fotos de outros homens.
Elio Sgreccia (2004) argumenta em sua
obra, Manual de Bioética II – Aspectos
Médicos e Sociais que “o
homossexualismo encontra amplo consenso entre muitos autores de que trata-se de
uma anomalia que consiste no desvio da atração afetivo sexual, pelo
qual o sujeito sente atração pelo mesmo sexo, podendo ter relações com elas”.
[....] “Uma condição adquirida que é ao mesmo tempo psicológica e patológica”.
Há muita gente entre os homossexuais
e também fora dos grupos interessados que não aceita a terminologia que se
refere à doença com termos de anormalidade ou anomalia, nem aceita a que se
refere a um comportamento reprovável e que, portanto, estaria ligado a um
conceito de ilicitude. Especialmente depois da ideologia Mercusiana, no âmbito
da cultura individualista, exige-se que se use simplesmente a terminologia que
indica a “diversidade”.
Mas, na maioria dos estudiosos, psicólogos
e clínicos estão de acordo ao reconhecer uma desarmonia entre os componentes
corpóreos, entre sua linguagem expressiva e finalista, de uma parte, e a pulsão
psíquico-comportamental, de outra. Essa desarmonia é definida como anomalia quando se quer harmonizar certa
causalidade endógena predisponente, ou, com mais frequência, como desvio, para indicar sobretudo o aspecto
comportamental. Sgreccia ( 2004)
Alguns autores puderam, à luz de uma
vasta experiência terapêutica, definir quatro etapas no caminho da
conscientização do homossexual:
- Em
primeiro lugar, ter-se-ia a tomada de consciência de ser diferente com as
conseqüentes ansiedades e prostração que atingem toda a esfera dos
sentimentos e relações;
- Seguir-se-ia
a acentuação da depressão psíquica e do sentimento de solidão, com uma
vivência de desprezo e perseguição até mesmo na família;
- Verificar-se-ia,
em seguida, a aproximação de sujeitos da mesma tendência e a integração
num grupo de “diferentes”;
- Desenvolver-se-ia,
enfim, a agressividade em reação à marginalização, real ou suposta, ou, de
qualquer modo, sofrida. Sgreccia(2004)
As reações de Sean e Luke se encaixam
nas argumentações de Sgreccia, trazendo à reflexão os sintomas e reações
agressivas e extemporâneas de Sean e Luke.
O personagem de Steven, aluno com
comprometimento físico e orgânico, vive uma realidade amarga: aceitar sua
condição orgânica; conviver com ela, procurando passar despercebido pela
comunidade escolar. As duas primeiras parecem que foram atingidas por Steven,
mas aceitar o preconceito e a indiferença de colegas e da própria escola, além
dos professores, era um desafio diário para Steven, justificando então a frase
dita por ele: “a escola termina em três meses-90 dias, mas 90 dias é muito, muito
tempo”.
Um pesquisador afirma que a “imagem
corporal está no coração da adolescência”(Ferron,1997). Os adolescentes
precisam gostar de seu corpo “não como um objeto simplesmente, mas como algo
confortável, percebido como parte de seu ser” (Richards, 1996). Uma auto-imagem
negativa do próprio corpo, quando herdam uma forma ou tamanho distante do ideal
cultural são “propensos a ser autoconscientes e deprimidos”. Berger (2003)
Como já foi assinalado, a adolescente representada na personagem de
Sarah, reforça o que Aberasture e Knobel (1981) abordam, que, “em busca da
identidade adolescente, nessa etapa da vida, recorre como comportamento
defensivo à busca de uniformidade, que pode proporcionar segurança e estima
pessoal”. [....] “Há um processo de superidentificação de massa, onde todos se
identificam com cada um”. As vezes, o processo é tão intenso que a separação do
grupo parece quase impossível e o indivíduo pertence mais ao grupo de coetâneos
do que ao grupo familiar. Segundo esse estágio revelado pelos adolescentes, faz
sentido quando Sarah diz: “Ele sabe mais sobre mim do que meus pais”, momento
em que se refere a Luke, seu namorado.
A história se encerra com o suicídio
de Kelly, personagem de comportamento calmo, aluna de música, que no decorrer
do filme não demonstrava ter mais conflitos que os demais adolescentes e muito
menos que chegaria ao suicídio. Kelly parecia se importar com os colegas, mas
carregava uma aparente tristeza em seu comportamento. Segundo Berger (2003.p.291)
“o suicídio é uma indicação do estresse emocional que muitos adolescentes
experimentam”. Kelly parecia internalizar suas angústias, demonstrando um
comportamento reflexivo, mas que nas palavras de Berger, o adolescente suicida
está tão sufocado pelo sofrimento ou pela raiva que, umas poucas perigosas
horas ou dias, a morte parece ser a única solução.
Esse exercício, de reflexão, vivência
e leitura do estágio transitório do adolescente, confirma a importância que
devemos dar ao desenvolvimento dos jovens, seja no ambiente familiar, escolar
ou acolhendo-o nos consultórios, pois o estereótipo construído socialmente dos
adolescentes, reproduz um discurso vazio baseado no senso comum, e por isso é
preciso conhecer seus sentimentos, como sentem e de que forma podemos ajudá-los
a superar seus conflitos, pois para muitos adolescentes, algumas horas, em
muitos lugares do mundo, é muito, muito tempo para esperar.
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