TRADUÇÃO

segunda-feira, 11 de fevereiro de 2013

Adolescência e uma análise do filme 2h37


A adolescência é o período de transição da infância para a idade adulta. As mudanças nessa fase implicam na construção de novas identidades, renúncia da identidade infantil e a possibilidade de construção de novas relações; é a porta de entrada para o mundo dos adultos. Comemorada por alguns e temida por outros, a chegada da adolescência decorre com mudanças biológicas significativas, bem como  mudanças psicológicas e sociais. É um caminho doloroso e desafiador para muitos jovens, que uma vez protegidos no seu estágio infantil se vêem diante de uma realidade que não existe escolha, a princípio, pois as mudanças ocorrem independentes de sua vontade e é necessário que o jovem se defina como pessoa, pois, corpo, idéias, emoções e comportamento sofrerão um processo de transformação que o fará sofrer uma metamorfose completa. Becker (2003) cita o seguinte pensamento de Eduardo Kalina: “O primeiro grande salto para a vida é o nascimento. O segundo é a adolescência”. É o início da construção de seu casulo. Fecha-se para tornar-se outro ser, mais autônomo, consciente e dotado de mais discernimento sobre si mesmo e a vida. Segundo Aberastury (1988), “a perda da condição de criança constitui uma etapa decisiva na vida do homem, iniciada no seu nascimento”. As novas relações com as quais os adolescentes se vêem quase que obrigados a incorporar em suas vidas provocam-lhes muitas confusões de valores e a sensação de perda de sua identidade infantil. Vivem o luto do corpo, da identidade e das relações com os pais na infância. Logo, se dá um conjunto de perdas e ganhos, constituídos agora de novas ideologias que lhe permitirá sua adaptação ao mundo e/ou sua ação para modificá-lo. Dotado de um novo corpo, sua identidade também  muda e nesta fase de transição flutua entre uma dependência e uma independência extremas, e só a maturidade lhe permitirá o equilíbrio entre mover-se à novas experiências e conservar convicções anteriores.
          Esta afirmação, segundo Alberastury (1988), de uma pré-adolescente na fase de transição pela transformação de seu corpo, aparência e pelas mudanças nas relações com amigos e familiares. A ansiedade de aceitar esse período como processo, passa a ser doloroso, pois como disse a adolescente no documentário: “preferia acordar e sentir-me toda modificada”. Além desses conflitos na formação de sua nova identidade, a adolescente apresenta certa resistência e temor em se tornar adulta, confirmando o que Ferrer (1988) escreve: “a menarca constitui o ponto culminante de um prolongado processo biológico prévio que se insinua desde os nove ou dez anos e cuja expressão biológica e psicológica mostra modificações e conteúdos significativos que distinguem este período, tanto da latência, quanto da adolescência inicial”.
          Ficou claro que as transformações provocadas no corpo, nesta fase, foram recebidas com receio, sensação de perda, e ao mesmo tempo maior conscientização da responsabilidade com o corpo e o amadurecimento, além da informação quanto à paternidade e maternidade responsável.
          Carol, adolescente, 17 anos, relatou preocupação com o futuro, diz ter medo de crescer e concluiu: “Sou muito protegida, tenho medo de perder essa proteção”.
          Berger (2003) diz que: “A adolescência se inicia quando as modificações físicas da puberdade transformam um corpo infantil em um corpo adulto. Em seguida as mudanças cognitivas da adolescência possibilitam que o jovem avance além do raciocínio concreto, para pensar de maneira abstrata e hipotética. As mudanças compreendem modificações psicossociais, estabelecendo uma relação com os pais com nova independência, com os amigos com nova intimidade, com a sociedade com um novo compromisso e consigo mesmo com uma nova compreensão. São as mudanças essenciais que conduzem o jovem à idade adulta. No caso da adolescente em sala de aula, chamou a atenção quando disse: “Peguei um ônibus sozinha, chorei, senti-me só e tive medo”. Tornar-se adulto não é uma questão de tamanho ou de intelecto, requer maturidade social”.
          Os adolescentes citaram que quando juntos no mesmo ambiente, o modificam e criam mecanismos próprios deles, e segundo Aberastury & Knobel (1988), “Nem todo processo da adolescência depende do próprio adolescente, como se ele fosse uma unidade isolada, num mundo independente”. Não há dúvida de que a constelação familiar é a primeira expressão da sociedade que influi e determina grande parte da conduta dos adolescentes, mas o adolescente em busca de nova identidade busca em seus pares uma identificação: “há um processo de superidentificação em massa, onde todos se identificam com cada um”.
          Ao abordarem as mudanças no corpo, os adolescentes citaram a importância de um físico atlético e sarado, concentrando maior preocupação na vaidade feminina, que cobradas socialmente por um corpo que atenda os padrões sociais sofrem mais ainda para se afirmarem e serem aceitas em seus grupos sociais, e de acordo com Berger (2003) “ O domínio da aparência física é uma característica onipresente do adolescente, sempre se exibindo para os outros e para a auto-observação. [....] Na aparência física, muitos adolescentes passam horas se olhando no espelho, preocupados com seu aspecto, como seu penteado afeta a forma do rosto, se o jeito da roupa os torna atraentes ou seguros de si.
          Ao serem convidados a conceituar o que é ser adolescente, suas respostas concentraram-se na liberdade de fazer muitas coisas, curtir a vida sem preocupações, farras, namoros, rebeldia com certa irresponsabilidade e um “pouco de estudo”.
          Sentem temor que uma vez adultos, terão que caminhar com suas próprias pernas e já não terão a mesma proteção de seu pais ou de seus responsáveis. É como pressentir a perda de privilégios da criança, e o temor pelas responsabilidades do adulto. Nesse contexto Becker (2003) argumenta que: “Em meio a essa crise de identidade, o jovem vai partir em busca de novas identificações, novos padrões de comportamento, sempre que possível bem diferente dos que seus pais representam. [....] Nesse momento há também uma enorme necessidade de pertencer a um grupo. O jovem encontra-se a meio caminho entre infância e adolescência, enfrentando a toda hora afirmações do tipo: “você é grande demais pra isso”, ou “você é pequeno demais para aquilo”.Fica meio marginalizado junto do mundo adulto como do mundo infantil. O grupo então, ajuda o indivíduo a encontrar a própria identidade dentro do contexto social a que pertencem. No grupo existe uma certa uniformidade de comportamento, de pensamento, de hábitos.
          Nesse período em que a auto-imagem se modifica radicalmente, os adolescentes procuram conforto em sua roda de companheiros, padronizando suas idéias, suas atitudes. Um serve de modelo para o outro. Sofrem de angústias semelhantes, e o grupo funciona como protetor perante elas (uma espécie de substituto dos pais, segundo a psicanálise). Curtem as mesmas experiências e descobertas, e as vivenciam juntos.
          O filme “2h37” descreve com sutileza e realidade o mundo interno silencioso vivido pelos adolescentes.
          Becker (2003) cita Erik Erikson, psicanalista, que considerava que a principal “tarefa” do adolescente seria a aquisição da identidade do Ego. Aliás, é de suas teorias que surge a famosa expressão “crise de identidade”. O jovem cumpriria essa tarefa por meio de vários processos, sendo os mais importantes as identificações. Através do repúdio de umas e da absorção de outras, gradualmente se cristalizaria a identidade adulta.
          Para obtê-la, o jovem precisaria de um “tempo”, um período de experiências e adiamento de compromissos. No caso de esse tempo ser mal aproveitado, surgiria a “confusão de identidade”, gerando angústia, passividade, dificuldades de relacionamento.
          Um outro risco seria a aquisição de uma identidade negativa, baseada em identificações ruins, mas apresentada durante a vida do jovem como as mais reais.
          O apaixonar-se, tão freqüente na adolescência, seria para Erikson de natureza menos sexual do que em idades posteriores. Seria antes uma tentativa de projetar e testar o próprio ego por meio de outra pessoa, identificando-se com ela e clareando sua própria identidade.
          Associada à noção de identidade estaria a de ideologia, que expressa as idéias do grupo social. Ela funcionaria positivamente, confirmando a identidade do indivíduo reconhecendo-o como parte integrante da sociedade. Assim, a aquisição de uma ideologia permitiria ao jovem resolver os seus principais conflitos, fugir da “confusão de valores”, e lhe daria acesso à vida social.
          Erikson afirmava que os sistemas totalitários exercem atração sobre o jovem, pois fornecem identidades convincentes e rígidas, e portanto, facilmente assimiláveis. A identidade democrática seria menos atraente, pois envolve a liberdade de escolha, em vez de fornecer uma identidade imediata.
          A figura do jovem Marcus que molesta sua irmã desde os 13 anos pode ter sofrido influência do comportamento de seus pais na forma de lidar com ele e com sua irmã, pois o filme retrata o cuidado e a importância que o filho representava, o que não se repetia com a filha, que submetendo-se aos abusos do irmão, estaria reproduzindo uma “proteção” que seus pais tinham para com o filho e dessa forma ser valorizada pelos pais. A proteção que foi dada a marcos e a autonomia que lhe foi permitida pode ter contribuído para uma consciência ingênua, insegura e desprovida de consciência moral, ética e social.
          Sua irmã Melody, pouco valorizada pelos pais, não teve forças para contrariar os desejos de Marcus, provavelmente por achar que se o fizesse estaria correndo o risco de além de não ser escutada, de parecer culpada pelos abusos.
          Aberastury (1981), ressalta que “É nessa busca de identidade que aparecem patologias que podem confundir habitualmente uma crise com um quadro psicopático (ou neurótico de diferente tipo, ou ainda psicótico), especialmente quando surgem determinadas defesas utilizadas para iludir a depressão assim como a má fé, a impostura, as identificações projetivas em massa, a dupla personalidade e as crises de despersonificação, as quais, quando se consegue elaborar os lutos assinalados resultam passageiras.
         “O psicopata, como muitos neuróticos ou psicóticos, em troca, fracassa na elaboração do luto e não chega à identidade adulta, manifestando muito destes sintomas sem modificação”.
          A cena presenciada por Marcus, quando seu pai possuía sexualmente sua mãe de forma incomum, rasgando suas roupas e mantendo relações antes de chegar ao quarto, pode ter influído para manifestar em seu comportamento o que fez com sua irmã. A identidade que Marcus usava era a de seu pai e não dele.
          A irmã de Marcus, melody, diz em certo momento que ao sair da escola gostaria de ir para um lugar o mais longe possível, revelando sua angústia pelo que estava passando e ao mesmo tempo desejando estar longe dos ambientes que lhe lembrariam os abusos que sofria.
          O choro compulsivo, a tristeza, revolta e provavelmente um quadro depressivo desenhado na personagem de Melody, definiam uma adolescente que não teve tempo de experimentar o luto da identidade infantil, que deixara para trás de uma forma traumática, que segundo Aberastury (1981), “O adolescente entra numa crise de temporalidade” . A criança tem um conceito fenomenológico da limitação do espaço e falta-lhe o conceito de tempo, que é limitado para ela. O adulto tem a noção do infinito espacial, e da temporalidade da existência. No adolescente isto se mistura e confunde, apresentando então o pensamento do adolescente, as contradições de imediatismo ou de relegação infinita frente a qualquer tipo de possibilidades de realização, as quais podem se seguir sentimentos de impotência absoluta. É um verdadeiro estado caótico, que por alguns momentos, pareceria indicar a invasão e o predomínio de um tipo de pensamento primário. Este vai sendo substituído pelo juízo da realidade, mediante a elaboração dos três lutos enunciados, que permite localizar corpo, papel e pais infantis no passado, aceitando o transcurso do tempo e, com este, o conceito de morte como processo irreversível e natural dentro do desenvolvimento.
          Melody não teve essa chance, de seguir um processo natural de construção de uma nova identidade. Os conflitos naturais nessa fase foram mais amargos para melody, que desejava ir para um lugar bem distante dali, fugindo de sua realidade, do mal que a rodeava.
          O personagem de Luke, com tendência homossexual refugia-se no esporte como forma de canalização de seus conflitos sexuais, procurando construir outra identidade que não aquela que o atormentava. Seu amigo Sean vive o mesmo conflito de Luke e o procura como apoio de suas convicções homossexuais, mas é rejeitado por Luke, que não aceita essa condição para si mesmo, ainda que se masturbe diante de fotos de outros homens.
          Elio Sgreccia (2004) argumenta em sua obra, Manual de Bioética II – Aspectos Médicos e Sociais que “o homossexualismo encontra amplo consenso entre muitos autores de que trata-se de uma anomalia que consiste no desvio da atração afetivo sexual, pelo qual o sujeito sente atração pelo mesmo sexo, podendo ter relações com elas”. [....] “Uma condição adquirida que é ao mesmo tempo psicológica e patológica”.
          Há muita gente entre os homossexuais e também fora dos grupos interessados que não aceita a terminologia que se refere à doença com termos de anormalidade ou anomalia, nem aceita a que se refere a um comportamento reprovável e que, portanto, estaria ligado a um conceito de ilicitude. Especialmente depois da ideologia Mercusiana, no âmbito da cultura individualista, exige-se que se use simplesmente a terminologia que indica a “diversidade”.
          Mas, na maioria dos estudiosos, psicólogos e clínicos estão de acordo ao reconhecer uma desarmonia entre os componentes corpóreos, entre sua linguagem expressiva e finalista, de uma parte, e a pulsão psíquico-comportamental, de outra. Essa desarmonia é definida como anomalia quando se quer harmonizar certa causalidade endógena predisponente, ou, com mais frequência, como desvio, para indicar sobretudo o aspecto comportamental. Sgreccia ( 2004)
          Alguns autores puderam, à luz de uma vasta experiência terapêutica, definir quatro etapas no caminho da conscientização do homossexual:

  • Em primeiro lugar, ter-se-ia a tomada de consciência de ser diferente com as conseqüentes ansiedades e prostração que atingem toda a esfera dos sentimentos e relações;
  • Seguir-se-ia a acentuação da depressão psíquica e do sentimento de solidão, com uma vivência de desprezo e perseguição até mesmo na família;
  • Verificar-se-ia, em seguida, a aproximação de sujeitos da mesma tendência e a integração num grupo de “diferentes”;
  • Desenvolver-se-ia, enfim, a agressividade em reação à marginalização, real ou suposta, ou, de qualquer modo, sofrida. Sgreccia(2004)

          As reações de Sean e Luke se encaixam nas argumentações de Sgreccia, trazendo à reflexão os sintomas e reações agressivas e extemporâneas de Sean e Luke.
          O personagem de Steven, aluno com comprometimento físico e orgânico, vive uma realidade amarga: aceitar sua condição orgânica; conviver com ela, procurando passar despercebido pela comunidade escolar. As duas primeiras parecem que foram atingidas por Steven, mas aceitar o preconceito e a indiferença de colegas e da própria escola, além dos professores, era um desafio diário para Steven, justificando então a frase dita por ele: “a escola termina em três meses-90 dias, mas 90 dias é muito, muito tempo”.
          Um pesquisador afirma que a “imagem corporal está no coração da adolescência”(Ferron,1997). Os adolescentes precisam gostar de seu corpo “não como um objeto simplesmente, mas como algo confortável, percebido como parte de seu ser” (Richards, 1996). Uma auto-imagem negativa do próprio corpo, quando herdam uma forma ou tamanho distante do ideal cultural são “propensos a ser autoconscientes e deprimidos”. Berger (2003)
          Como já foi assinalado, a adolescente representada na personagem de Sarah, reforça o que Aberasture e Knobel (1981) abordam, que, “em busca da identidade adolescente, nessa etapa da vida, recorre como comportamento defensivo à busca de uniformidade, que pode proporcionar segurança e estima pessoal”. [....] “Há um processo de superidentificação de massa, onde todos se identificam com cada um”. As vezes, o processo é tão intenso que a separação do grupo parece quase impossível e o indivíduo pertence mais ao grupo de coetâneos do que ao grupo familiar. Segundo esse estágio revelado pelos adolescentes, faz sentido quando Sarah diz: “Ele sabe mais sobre mim do que meus pais”, momento em que se refere a Luke, seu namorado.

          A história se encerra com o suicídio de Kelly, personagem de comportamento calmo, aluna de música, que no decorrer do filme não demonstrava ter mais conflitos que os demais adolescentes e muito menos que chegaria ao suicídio. Kelly parecia se importar com os colegas, mas carregava uma aparente tristeza em seu comportamento. Segundo Berger (2003.p.291) “o suicídio é uma indicação do estresse emocional que muitos adolescentes experimentam”. Kelly parecia internalizar suas angústias, demonstrando um comportamento reflexivo, mas que nas palavras de Berger, o adolescente suicida está tão sufocado pelo sofrimento ou pela raiva que, umas poucas perigosas horas ou dias, a morte parece ser a única solução.
          Esse exercício, de reflexão, vivência e leitura do estágio transitório do adolescente, confirma a importância que devemos dar ao desenvolvimento dos jovens, seja no ambiente familiar, escolar ou acolhendo-o nos consultórios, pois o estereótipo construído socialmente dos adolescentes, reproduz um discurso vazio baseado no senso comum, e por isso é preciso conhecer seus sentimentos, como sentem e de que forma podemos ajudá-los a superar seus conflitos, pois para muitos adolescentes, algumas horas, em muitos lugares do mundo, é muito, muito tempo para esperar. 

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